Há inverdades que cabe aos meios de comunicação social esclarecer.
Considerar a Rádio Altitude da Guarda a rádio local mais antiga do país é uma delas. É que de facto a rádio mais antiga é a Emissora das Beiras, sediada no Caramulo.
A Rádio Altitude iniciou emissões regulares a 29 de julho de 1948 e a Rádio Emissora das Beiras começou a emitir regularmente em 1939, entre as 9 horas e as 19 horas diariamente, conforme o registo da ERC.
A Rádio Emissora das Beiras é assim a mais antiga de Portugal.
O seu a seu dono.
Mas vamos ao início da história desta rádio que se confunde com a história da Estância Sanatorial do Caramulo.
RÁDIO EMISSORA DAS BEIRAS
Na década de 1950, o Caramulo vivia os seus anos de glória. Tornou-se a terra central para combater a “tísica” o nome pelo qual era inicialmente apelidada a tuberculose.
Mas a história já tinha começado décadas antes, quando Jerónimo Lacerda, médico formado em Coimbra trazia planos de ali construir um hotel para hóspedes com que tinham esta doença, porque conhecia a fama de “bons ares” do Caramulo desde menino, quando, com o pai, delegado de saúde, percorria quilómetros infindos pela serra.
Com efeito Sociedade do Caramulo nasce em Dezembro de 1920 e menos de dois anos depois está a abrir as portas do seu Grande Hotel. Mas a “peste branca” assolava o país, a Europa, e o número de tísicos internados no Caramulo aumentava de ano para ano. No início dos anos 30, as estatísticas oficiais apontavam para 13 mil mortes anuais em Portugal. Com a Guerra Civil de Espanha, primeiro, e a Segunda Guerra Mundial, mais tarde, muitos tuberculosos dos grandes sanatórios europeus rumaram a Portugal. E a obra de Lacerda foi refletindo as mudanças e o crescente desespero na nomenclatura: em 1928, passa a chamar-se Grande Hotel Sanatório. Em 1933, apenas Grande Sanatório.
E assim nasce a estância sanatorial que chegou a ter 20 pólos. A Sociedade do Caramulo construiu uma rede de distribuição de água, barragem própria, rede de esgotos, centro de tratamento e incineração de lixos, uma estrutura para recuperação das águas contaminadas, estrada alcatroada até Campo de Besteiros, posto de correios, central telefónica, matadouro, escola primária. No Grande Sanatório — enorme edifício de três pisos, dois corpos laterais, águas furtadas e galerias à volta — havia bloco operatório, laboratório de análises clínicas, serviço de radiologia, farmácia central, consultório de estomatologia, zona de esterilização de louças. E bibliotecas, salas de jogos, um ecrã gigante onde chegavam as produções cinematográficas estreadas nas salas do país, mais tarde um cineteatro.
FOI AQUI QUE FOI CRIADA A RÁDIO EMISSORA DAS BEIRAS
Tudo começou em 1939. Joaquim António Seabra interrompeu o curso de Eletrotécnica em Lisboa por causa da tuberculose. Foi para o Caramulo rendido a um fim inesperado mas, pouco a pouco, sentiu-se outro. No maior sanatório da estância, onde se internavam os doentes com mais capacidade financeira, montou, por brincadeira, uma pequena rádio de baixa potência, em onda média. Portugal tinha inaugurado a sua primeira estação quatro anos antes, com a Emissora Nacional de Radiodifusão, à qual se seguiu a Rádio Renascença. Seabra punha discos pedidos, música à sua escolha, enviava mensagens com votos de “boa tarde e boa cura”.
“Aqui Rádio Pólo Norte, estação Emissora das Beiras’”, recorda António Passos Coelho, pai do primeiro-ministro Passos Coelho que parece ouvir ainda a emissão saída dos altifalantes espalhados pelo Grande Sanatório. Seabra, “sempre engravatado, bem vestido, magrinho”, era o homem habilidoso a quem todos recorriam quando tinham algum problema de eletricidade. E a sua rádio era parte importante do dia-a-dia dos doentes, disse este médico que também foi doente, ao Jornal Público em 2018.
A rádio Polo Norte/ Emissora das Beiras foi registrada na ERC em 1939, por Joaquim António Seabra. E na década de 70, já com o casal Lopes da Rosa e Maria Helena, que se conheceram no Caramulo, quando ele estava a ser tratado nos sanatórios, e ela já trabalhava na rádio, a rádio teve uma grande projeção regional, com emissão que também abrangia a Guarda, Leiria, Porto e Castelo Branco.
RÁDIO ALTITUDE
A Rádio Altitude iniciou as emissões regulares em 29 de Julho de 1948 na cidade da Guarda.
O nascimento da Rádio remonta, no entanto, ao ano de 1946, quando José Maria Pedrosa, doente internado no Sanatório Sousa Martins (que funcionou na Guarda entre 1907 e 1975), instalou o primeiro emissor interno.
Também esta rádio teve a sua origem num sanatório.
Em 21 de Outubro de 1947 o diretor do Sanatório, o médico Ladislau Patrício, aprovou o regulamento da Rádio Altitude, que mencionava no Artº 1: «A estação emissora da Caixa Recreativa denomina-se Rádio Altitude e destina-se a proporcionar aos doentes do Sanatório certas distrações compatíveis com a disciplina do tratamento».
Fundada e dinamizada por doentes internados no então Sanatório, a emissão evoluiu ao longo dos anos do interior do complexo hospitalar para o espaço urbano e concelhio e gradualmente para toda a região (distritos da Guarda e de Castelo Branco e partes dos de Viseu e Bragança).
Em 1953 passou a funcionar num edifício dentro do perímetro da Mata (hoje Parque da Saúde).
A programação estruturada e serviços informativos regulares foi partir do início da década de 60.
A ligação funcional ao Sanatório Sousa Martins terminou quando a unidade de saúde encerrou e foi transferida para o domínio do Estado, como hospital distrital, em 1975. A Rádio (que foi inicialmente propriedade da Caixa Recreativa do sanatório e, posteriormente, do Centro Educacional e Recuperador dos doentes da instituição) passou, a partir desse ano, a ser gerida por sucessivas comissões administrativas, no contexto da autonomia funcional, financeira e administrativa que resultara da extinção do Sanatório.
A JORNALISTA LILIANA CARONA
Foi esta jornalista, no âmbito de uma conferência em maio deste ano, que reuniu os grandes nomes da rádio portuguesa, que verificou que a rádio local mais antiga do país era a Emissora das Beiras e não, como regularmente era referido a Rádio Altitude.
Nascidas ambas no ambiente do tratamento da tuberculose, foi a rádio Emissora das Beiras/ Rádio Polo Norte que apareceu primeiro como consta do registo. Se na época do seu nascimento, foram ambas importantes para entreter e animar e fazer companhia, a quem sofria na pele a terrível doença, hoje são mais que importantes para combater a terrível doença que o interior do país sofre, que é a desertificação e a consequente solidão dos seus habitantes.
São por isso, duas importantes rádios. Por cá a “nossa” a Emissora das Beiras, é a mais antiga, e as suas emissões regulares une o coração das beiras, do Caramulo para o mundo.
MJJ