Nos dias 4 e 5 de agosto, Mouraz voltou a viver intensamente a sua maior celebração religiosa, a Festa em Honra de Nossa Senhora da Esperança. Dois dias de fé, devoção e reencontros, num santuário que, há séculos, é ponto de peregrinação e símbolo de identidade param a comunidade.
UM TÍTULO COM DUAS ORIGENS COMPLEMENTARES
O título “Nossa Senhora da Esperança” tem um significado profundo e duplo. A primeira origem está na própria experiência da Virgem Maria, que, durante a gravidez, viveu a esperança de acolher e ver nascer o Filho Santo. A segunda origem vem da devoção popular: ao longo dos séculos, os fiéis r
ecorreram à Mãe de Deus como intercessora nos momentos de aflição, chamando-lhe na liturgia “Esperança dos desesperados”.
Esta ligação íntima entre fé e esperança está bem patente na história e no culto desenvolvidos no monte que leva o mesmo nome.
UM SANTUÁRIO COM SÉCULOS DE HISTÓRIA
O Santuário de Nossa Senhora da Esperança ergue-se a cerca de um quilómetro da Igreja Matriz de Mouraz, num monte de onde se avista, a oriente, a imponente Serra da Estrela. Desde há muitos séculos que é gerido e protegido pela Irmandade de Nossa Senhora da Esperança.
Frei Agostinho de Santa Maria, no século XVII, já o descrevia como “um monte bastantemente alto, e todo redondo, de muito íngreme subida”, onde, no alto, se encontrava “a Casa de N. Sra. da Esperança, Santuário de grande concurso e romagem”.
Ao longo do tempo, o monte foi também casa de acolhimento e oração. Nos séculos XVIII e XIX existia a Casa da Novena, uma pequena construção em pedra que recebia peregrinos vindos de longe. Mais antigos ainda são os registos da Casa do Ermitão, habitada por quem optava por viver junto à ermida, cuidando do templo e dedicando-se à vida religiosa.
Hoje, o espaço combina o valor histórico com a requalificação arquitetónica e paisagística. A Irmandade, com o apoio da Câmara Municipal de Tondela e da Junta de Freguesia, tem promovido importantes obras, como a requalificação da Casa da Irmandade (70.000€) e em 2020 a melhoria dos acessos aos Cruzeiros e áreas envolventes (40.000€).
LIGAÇÃO À TRADIÇÃO ROMANA
Durante as celebrações, D. António Luciano, Bispo de Viseu, que presidiu à santa missa, que contou também com o padre Marcelino
natural de Vila Nova da Rainha e o padre Flor, pároco de Mouraz, recordou que a invocação de Nossa Senhora da Esperança está também ligada à Basílica de Santa Maria Maior, em Roma. A sua origem remonta ao século IV, durante o pontificado do Papa Libério, quando, segundo a tradição, a Virgem Maria apareceu numa noite de 5 de agosto, no Monte Esquilino, cobrindo-o de neve e pedindo a construção de uma capela em sua honra.
Este milagre deu origem à primeira grande basílica do Ocidente dedicada a Maria, conhecida como Basílica Liberiana, sendo ainda hoje um dos mais importantes centros de culto mariano no mundo.
A FESTA – DOIS DIAS DE FÉ E REENCONTROS
O programa da festa deste ano começou no dia 4 de agosto, pelas 20h00, com missa na Igreja do santuário, seguida de procissão de velas até à igreja matriz de Mouraz.
Na manhã do dia 5, às 9h30, teve lugar a procissão de regresso ao monte da Senhora da Esperança. Este momento contou com um facto de grande significado histórico: a presença conjunta da Irmandade de Nossa Senhora da Esperança de Mouraz e da Irmandade do Santíssimo Sacramento de Vila Nova da Rainha, que participou na procissão e no culto.
Segundo a tradição oral, há muitas décadas ambas as irmandades participavam juntas nesta festa. A prática tinha-se perdido, mas este ano foi recuperada por ocasião do centenário da Irmandade de Vila Nova da Rainha cumprindo um desafio lançado no passado e concretizado agora.
A procissão foi abrilhantada pela Banda Filarmónica de São João de Areias, do concelho de Santa Comba Dão, reforçando a componente festiva e musical da celebração.
A missa solene, presidida pelo Bispo de Viseu, reuniu dezenas de fiéis e visitantes, num ambiente de grande devoção.
TRADIÇÃO POPULAR E CULTURA
A tarde de 5 de agosto foi preenchida com momentos culturais, incluindo a atuação do Rancho Folclórico de Castelões, que levou ao adro do santuário a música e a dança tradicionais. Seguiu-se a recitação do terço, mantendo viva a dimensão espiritual da festa.
Como é habitual, o recinto encheu-se também de cor e sabores, com vendedores ambulantes que trouxeram as tradicionais tortas, melão e outras iguarias, perpetuando a vertente popular e con
vivial do evento.
UM LOCAL DE CULTO E LAZER
Para além do seu valor religioso, o Santuário de Nossa Senhora da Esperança é também um espaço procurado para passeios, piqueniques e caminhadas. Com bons acessos e uma paisagem deslumbrante, representa um património vivo, onde fé, história e natureza se encontram.
A edição deste ano da festa reforçou a importância de preservar tradições seculares, mas também de adaptar o espaço às necessidades atuais, tornando-o cada vez mais um ponto de encontro da comunidade e um destino de culto e turismo religioso.
MJJ
Folha de Tondela Jornal centenário da região de Viseu