AI VAMOS NÓS….
“Maldita velha! Nunca me lembro da Canducha que aos lábios me não assomem mil e um anátemas contra todas as bruxas que têm existido, existem, ou hajam de existir sobre a face da terra!
(…) Na minha aldeia, a peste, a fome, a guerra ou quantos flagelos possam oprimir a humanidade, nunca se receavam tanto como um olhado da Canducha”…
Pois foi à conta da nossa bruxa que as estórias por aí vieram, umas com mau olhado, outra nem tanto, outras com olhar bom, todas elas trazidas por Cândido de Figueiredo para povoar os seus “CONTOS E NARRATIVAS”, em tão boa hora postas aí em sossego para nosso deleite, nosso comprazimento, nossa instrução
(porque não?) e até, nosso melhoramento.
“Ah, sim, Cândido de Figueiredo foi o inestimável Sabedor da nossa Língua, e foi laborioso Autor de um Dicionário de Português com dezenas e dezenas de edições”…
É verdade, mas esta edição agora apresentada para entrar na celebração do centenário da partida do nosso conterrâneo, vem trazer-nos para bem perto, a sua tão esquecida Obra Literária com direito a entrar nos melhores exemplares da Literatura Portuguesa.
UM BOM OLHADO
Realce-se em primeiro lugar, o estrénuo trabalho de Joana Simões e Ricardo Martins que nos apresentam estas mais que obrigatórias páginas de ler e reler que a Câmara Municipal de Tondela entendeu diligenciar para chegarem até nós, com o muito bom olhado que certamente a Presidente Carla Antunes Borges e o Vereador da Cultura e Vice-Presidente João
Carlos Figueiredo estenderam por estes “CONTOS E NARRATIVAS”, escritas em muito bom Português, “coisa” que falta cada vez mais por aí …
AO TOM D´ELA E NÃO SÓ…
“É noite fria, noite estrelada, cheia de luar e de silêncio. A aresta do Caramulo alveja a espaços, como se as lavadeiras serranas estendessem as míseras roupas, para que lhes corasse um raio de sol de inverno.
Prossegue o “CONTO DE NATAL”: “A vertente que olha para leste, acidentada por corcas e cerros, valeiros e boiças anfractuosas, tem um aspecto de uma nesga escura de oceano cavado e trovo, contida entre Lafões e Cris.
A cavaleiro do vasto e feracíssimo Vale-de-Besteiros, alcandoram-se na escura vertente alguns pequenos e pobres povoados, em cujas moradias, rudemente feitas de granito e cobertas de loisa, nunca entraram outras venturas, senão a alegria do sol, a alegria do amor e a alegria da fé”.
O que nos vale, a nós, agora, é que entra a alegria de ler o que o Autor nos trouxe para acompanhar a estória que por aqueles lados se animou, e que não vamos contar para não perturbar o caminho de quem se chegar até nós… e que passará por “lá mais em baixo, no sopé da serra, entre soitos e à beira de riachos, Santa Eulália, Quinta da Cruz, Caste
lões, mais ao longe, em pleno vale, as torres de Labão e Tondela, firmes, erectas, como atalaias de um grande bivaque adormecido, e mais longe ainda, o dorso monstruoso da Estrela, recoberto de neve, sob os raios amorosos do luar nascente”.
Mais – muito mais – poderíamos trazer aqui estes “contos e narrativas” com uma geografia que parte de nós aqui perto mas que vai por aí adiante, por esse Portugal fora e até se estende por terra estanha.
FICAMOS POR AQUI?
Depois de andar com umas palavras a ver se não ficávamos no hábito de só referir Cândido de Figueiredo como celebrado Autor do inestimável Autor do “Dicionário da Língua Portuguesa” – como, repito, é mais conhecido – e o trouxemos para a primeira linha dos grandes Escritores, vamos pedir ajuda a Quem nos ajudou a vir até aqui e que tão empenhadamente contribuiu para ressuscitar Cândido de Figueiredo Contista e Novelista.
No precioso Ensaio-Prefácio que escreveram Joana Simões e Ricardo Martins -ambos de Lobão da Beira e patrícios, portanto, do Nosso Escritor – acentuam:
“Para além das realizações técnicas, a obra de(Cândido) Figueiredo, revela uma dimensão simbólica profunda”, atestam-nos os Prefaciadores e Editores, que continuamos a ouvir: “A sua concepção da Língua como património espiritual do povo, repositório da alma colectiva e instrumento da comunidade histórica nacional, eleva o trabalho lexicográfico aso estatuto de missão cultural. Nesta perspectiva, Cândido de Figueiredo surge como arquétipo do “GUARDIÃO DA PALAVRA”, ou “PALADIM DA LINGUAGEM”, ou seja, de alguém que assumiu conscientemente, a função de preservação e transmissão do LOGOS português, traduzindo a minúcia lexicográfica em claridade cultural”.
Essa mesma “claridade cultural” de que todos andamos tanto a precisar… e que nos salve do olhar da Canducha…
José Valle de Figueiredo
Folha de Tondela Jornal centenário da região de Viseu