Sexta-feira , Maio 10 2024

JOAQUIM PEREIRA UM TONDELENSE NA GRANDE GUERRA

Sabemos que, Concelho fora, diversos foram os expedicionários que fizeram a Grande Guerra de 1914/18. Certamente com muitos testemunhos, com muitos episódios que é pena não tenham sido preservados. E certamente com algumas mortes.

Foi uma guerra global que começou em 28 de julho de 1914 e se prolongou até 11de novembro de 1918. Portugal participou no conflito ao lado dos Aliados. Foram muitos milhares os soldados mobilizados e foram muitos os que ali tombaram em defesa dos compromissos da Pátria.

Quis a sorte que em conversa com a senhora D. Celestina da Conceição de Sousa Pereira, (D. Tininha, como gosta de ser tratada), Professora aposentada e precisamente com último trabalho em Valverde, de onde é natural e residente naquela Aldeia do nosso Concelho, tivéssemos sabido que seu Pai, Joaquim Pereira, com seu irmão gémeo, José, integraram o Corpo Expedicionário da Grande Guerra, razão mais que suficiente para procurarmos saber desse passado histórico.DSCF3827

Recebeu-nos na sua casa de Valverde e numa sala toda ela cheia de recordações, como que pequeno Museu, com toda a simpatia e o desejo de transmitir uma História que ouviu vezes sem conta.

Seu Pai, nascido numa casa de lavradores, mas também de comerciantes de loiça, estaria destinado a essas tarefas. Mas assim não aconteceu.

A guerra instalara-se em diversos países, e o governo português de então decidiu juntar-se na contenda. Não foi pacífica a decisão, mas foi a realidade.

De Valverde, do nosso Concelho, partiram então para a frente bélica, em França, dois Moços filhos daquela Terra. O Joaquim e o irmão José que, felizmente, regressaram salvos e com muitas histórias para contar.

D. Celestina, melhor, D. Tininha, depois de nos mostrar algumas “relíquias” relativas à vivência de seu Pai na guerra, começou por recordar certas conversas que ouvia e, embora pequena, foi retendo na memória essa odisseia, que passados todos estes anos relata com emoção.

Nessa guerra, durante muito tempo teve seu Pai teve a seu cargo, com outros colegas, uma peça de artilharia de longo alcance, que ia manobrando de acordo com as instruções superiores. E as granadas partiam de um lado e de outro naquela confusão que ceifou tantas vidas.

Mas quando Joaquim Pereira, findo o período de ataque, regressava às trincheiras para se proteger, tinha por companheiro um caderno de capa preta onde assinalava as ocorrências. Era o seu diário de guerra, interessante documento que sua Filha guarda religiosamente. Aquele caderno é, na verdade, o repositório natural da vida de um soldado na guerra. Com muito interesse o desfolhámos.

Para Joaquim Pereira, a guerra foi um ato natural de defesa de Povos; logo, a sua participação não foi uma “dDSCF3824esgraça” que lhe aconteceu, antes o dever cívico de honrar o seu País no compromisso que havia assumido. E sua Filha lembra que nunca ouviu da sua parte uma censura, uma crítica; antes a sua satisfação por ter sabido cumprir a missão que lhe foi destinada.

Mas, como lembra D. Tininha, o Pai teve momentos bem dramáticos durante a sua participação na Flandres, principalmente quando as granadas atingiam mortalmente companheiros seus e ele receava que também chegasse a sua vez. Mas esses momentos difíceis não o deixavam desvanecer da sua missão.

Assim aconteceu no próprio dia 09 de Abril (batalha de La Lys) de consequências tão trágicas para os portugueses (e que se prolongou por vários dias), quando duas granadas calaram para sempre dois colegas, ali a seu lado. No posto em que estavam três, faltava ele. Mas a sua Fé e a veneração a Nossa Senhora, a quem recorreu, fizeram com que se defendesse do inimigo e que dali saísse são e salvo.

Esse momento e esse dia ficaram de tal modo marcados na sua vida que, durante o resto da vida, até à sua morte, aos 84 anos, o dia 09 de Abril passou a ser um dia “guardado” para si, para os seus e para os trabalhadores que eventualmente tivesse rogado. Era como que um dia de feriado, assim como para todos era dia de “rancho” melhorado.

Do outro irmão, porque noutro destacamento, nada mais soube. Só depois se inteirou que um acidente numa perna tinha feito com que regressasse ao “quartel”. Esta situação, mais tarde, permitiria a Joaquim Pereira brincar com o irmão, lembrando-lhe quanto tinha sido “habilidoso” em arranjar um ferimentozito que o fez regressar à retaguarda. Ao mesmo tempo, recordava que muitas das granadas que disparava eram em sua intenção, lembrando-se dele.

A guerra, para meu Pai, disse D. Tininha, foi sempre um desígnio, uma forma de defender a Pátria, não um martírio. Tanto assim, quando em 1961 foi aberta a guerra do Ultramar, meu irmão que então estava em Mafra, como Oficial do Exército, fez parte do primeiro contingente para Angola. Nós fomos a correr, dado que a urgência da partida o impedia de vDSCF3832ir despedir-se pessoalmente. Como já não estava em Mafra, mas sim em Abrantes, ali fomos para nos despedirmos.

Lembro-me então que meu Pai, embora com as lágrimas nos olhos, disse a meu irmão, Martinho de Sousa Pereira: vai, defende a nossa Pátria tal como eu já a defendi. Vai porque a Pátria está primeiro. Felizmente que também ele, com quatro Comissões no Ultramar, apesar de ver muitas vezes a morte à frente dos olhos em situações dramáticas, regressou, casou, fez a sua vida, que meu Pai acompanhou até à morte.

Nestas duas guerras em que esteve a nossa família, agradecemos muito a Deus e a Nossa Senhora a proteção que tiveram. A Nossa Senhora que está na nossa Capela, foi por mim oferecida em dia que sete sacerdotes celebraram uma Missa de Ação de Graças.

Voltando um pouco atrás, D. Celestina lembrou que seu Pai, finda a guerra e porque tinha decidido não continuar o negócio da família, emigrou para a América, talvez empolgado pelos contactos que na guerra teve com outras gentes, outros modos de pensar e de agir, mas onde esteve pouco tempo porque veio para casar. Voltou outra vez, mas a América não era comparável com a “imensidão” da sua Valverde. O amor à sua Pátria, à sua Terra eram maiores que o desejo de outras aventuras e de outras formas de viver. E por isso aqui se fixou.

Uma das vezes, lembra D. Tininha, seu Pai ofereceu a sua Mãe um livro sobre a guerra que viveu. Talvez o primeiro livro em português, com muita ilustração, que se publicou e relatando a experiência do Corpo Expedicionário Português no campo de batalha. “JOÃO NINGUÉM, SOLDADO DA GRANDE GUERRA”, exemplar que guarda com muito carinho e como mais um símbolo desse passado que, pelos vistos, Joaquim Pereira nunca esqueceu.

Curiosamente, aqui há uns anos, uma sua sobrinha neta, Rita Pereira de Sousa, perante este rico espólio de recordações e porque programa da escola, fez o livro “Teatro da Morte”, a partir dos relatos do caderno de guerra de Joaquim Pereira e das recordações de sua tia avó. Foi premiado localmente e até a nível nacional, dada a forma como conseguiu interpretar esses episódios bélicos, retratados a partir do autor dos acontecimentos.

No desfiar da conversa, outros acontecimentos de seu Pai foram lembrados, já não na guerra, já não em Flandres, já não vendo cair a seu lado companheiros de armas, mas aqui em Valverde com familiares e amigos, onde a sua boa disposição e bonomia se faziam sentir. De tal modo era a brincadeira que o centro de Valverde passou a ser Lisboa e lá em baixo, junto à linha de caminho de ferro, era o Estoril. E assim iam brincando com as pessoas quando, com muita convicção, afirmavam essa designação que ficou.

Lembrou ainda, neste manancial de recordações, que seu Pai contava que no antigo Seminário de Viseu, transformado em Quartel a partir da implantação da República, onde esteve, a Capela tinha sido transformada em cavalariça. Mas por mais que forçassem, nunca conseguiram que os cavalos ali entrassem, apesar de frustradas tentativas. RelaDSCF3826ta-o a partir do que seu Pai assistiu. Dá para pensar!

Na casa de Joaquim Pereira os momentos passados na guerra foram assim, vida fora, motivo de conversa e rosário de acontecimentos por ele vividos, e que tão bem soube expressar no Diário que na Flandres foi construindo e que sua Filha guarda com tanto orgulho. Essa participação na guerra que sempre viu como o seu contributo para com a Pátria.

Foi muito agradável esta “descoberta” sobre o que viveu um Expedicionário das nossas Terras na Grande Guerra e quanto isso terá influído o resto da sua vida. Outros casos haverá e interessante seria que viessem ao nosso conhecimento.

Sabemos que nas comemorações do Dia do Armistício, a cidade francesa de Boulogne- sur-Mer vai ao Cemitério honrar os que caíram. E Portugal, com um emigrante do nosso Concelho, ali está como Porta-Bandeira da Bandeira de Portugal.

Agradecemos à D. Tininha a sua gentileza, a sua disponibilidade, a maneira bonita como nos contou a “História” de seu Pai, mas também o acesso a documentos e fotografias que ajudaram a enriquecê-la.

É a História de Gente da nossa Terra, que nos honra! Quantas outras podem ser motivo de narrativa, recordando os autores e dignificando o Concelho

MJJ/JAL

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