Quarenta anos depois do maior acidente ferroviário de Portugal, Alcafache voltou a ser palco de memória, emoção e homenagem. Este domingo, junto à Linha da Beira Alta, uma pequena capela dedicada a Nossa Senhora dos Emigrantes foi inaugurada no local onde, a 11 de setembro de 1985, o Sud-Express, com destino a Paris, colidiu frontalmente com um regional para Coimbra. A tragédia, que vitimou cerca de 150 pessoas, número nunca confirmado com precisão, deixou marcas indeléveis na história da emigração portugue
sa e da ferrovia nacional.
O espaço, já assinalado por um memorial, ganhou nova vida com a capela, uma placa toponímica alusiva à data, e a colocação de um bogie ferroviário como monumento simbólico da tragédia. Ao percorrer o memorial, é impossível não sentir a carga silenciosa de dor e de recordação que paira sobre o lugar.
A cerimónia reuniu autoridades locais e nacionais, entre elas o general Ramalho Eanes, Presidente da República em 1985, o secretário de Estado das Comunidades, a secretária de Estado da Mobilidade, o bispo de Viseu, o comandante do RI14 e autarcas da região. Mas foram os relatos humanos que deram verdadeira voz à dor e à coragem de quem sobreviveu.
O comendador Carlos Alberto Ramos, natural de Vilar de Besteiros, mas residente na Suíça, considerado herói por ter salvo duas vidas naquela tarde, contou a sua história com emoção contida. Viticultor de profissão, ligado ao movimento associativo e conselheiro das comunidades portuguesas entre 2008 e 2015, e atual deputado da Comuna de Boudry, Ramos disse:
“Não passa um dia da minha vida que esta memória triste não esteja comigo. Dizem que o tempo apaga, mas isso não acontece.”
Gravemente ferido, foi transportado no helicóptero presidencial de Ramalho Eanes, uma ação decisiva que lhe salvou a vida, e levado de urgência para o Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Posteriormente, foi transferido para o Hospital de São José. Perdeu 30 quilos e enfrentou 31 cirurgias plásticas. Nos seus pesadelos, carrega tanto a honra de ter salvado vidas quanto a dor de não ter conseguido resgatar uma criança. “Alcafache será para sempre o meu Alcatraz”, confidenciou.
No início da sua intervenção, o general Ramalho Eanes deixou uma mensagem carregada de emoção e reconhecimento: ref
eriu que Carlos Ramos é o seu filho adotivo e aproveitou para agradecer publicamente o trabalho extraordinário de todos os que intervieram no rescaldo imediato da colisão, destacando a coragem e dedicação dos bombeiros, médicos e voluntários que salvaram vidas e ajudaram a minimizar o impacto da tragédia.
Quatro décadas depois, Alcafache continua a ser lugar de luto e reflexão. A nova capela, junto ao bogie ferroviário transformado em monumento, é agora um espaço onde a fé e a memória se cruzam, garantindo que nunca se apague a lembrança de um dos dias mais trágicos da história recente de Portugal.
Jorge Humberto Gomes
Folha de Tondela Jornal centenário da região de Viseu