Sexta-feira , Abril 12 2024

A NOITE EM QUE TODOS PODIAMOS TER MORRIDO

A noite de 15 de outubro de 2017 ficará na memória coletiva do nosso concelho e na memória pessoal da população como uma das mais aterradoras dos últimos tempos.
Nesse dia, o CD Tondela tinha sido eliminado para a Taça de Portugal pelo Leixões, o dia estava muito quente, abafado e estranho…
Um incêndio lavrava há mais de três dias na Lousã, sem meios operacionais suficientes para o combater, porque o Governo tinha decretado o fecho oficial da época de incêndios.
No final da tarde desse dia, com o incêndio já a lavrar na parte poente da Serra do Caramulo, sendo já visível na parte sul do concelho as chamas que vinham de Mortágua, a tondelense Ana Santos ligou para uma amiga aflita, porque as chamas eram enormes e parecia que estavam perto. A amiga sossegou-a e disse-lhe que ainda não estava em Mortágua e que estavam lá todos os meios de combate aos incêndios para o travar. Não convencida, foi ao monte da Senhora da Esperança para se certificar e voltou a ligar à amiga, a dizer que as chamas ainda estavam longe. Isto eram 20h15. O cheiro a queimado, as projeções, as fonas e o fumo já começavam a invadir o concelho.
O pior chegou depressa, cerca das 21h30, Dardavaz, Vila Nova da Rainha, Mouraz, Tonda, Ferreiros do Dão, Ermida, Tondela estavam a arder.
Da incredibilidade inicial, passou-se para o pânico, porque tudo estava a arder…
As populações da zona sul do concelho fugiram, mas o muito fumo, o muito vento e muitas projeções não permitiam a visibilidade necessária e o instinto foi fugir e procurar refúgios em edifícios na sede do concelho.
Durante toda a noite a fúria das chamas, a fúria do “diabo”, não deu tréguas e muitas pessoas não sabiam das famílias, não sabiam dos seus haveres, nem do que estava a acontecer.
Quem tinha comunicações, quem chegava aos pontos de refúgio quer institucionais quer em casas e em prédios onde se podiam refugiar, relatavam que estava tudo a arder.
Eram as casas, os barracões agrícolas, os aviários, os estábulos, as empresas, as oficinas, o Planalto Beirão, património cultural, associações, tudo o fogo levou.
No nosso concelho lamentámos três vítimas mortais, mas ao todo, nesta região centro, foram 44 as pessoas que perderam a vida.
Por volta das 6 da manhã, este fenómeno ficou mais calmo, e as autoridades civis, presidente da Câmara José António de Jesus e vereadores que tinham sido eleitos em 1 de outubro e que ainda não tinham tomado posse, presidentes e comandantes dos bombeiros do concelho, comandante operacional do CDOS e os militares que andavam a percorrer o território conforme o que o fogo lhes permitia, tremeram porque não sabiam o que iriam encontrar: a destruição mas, sobretudo, o medo de encontrar muitos cadáveres.
Mas, felizmente, ou como as pessoas diziam por essa altura, que “foi um milagre”, porque a solidariedade, a interajuda entre as pessoas, permitiu que não tivéssemos morrido todos.

OS PREJUÍZOS E AS MARCAS PROFUNDAS
O concelho de Tondela foi o mais atingido por esta calamidade. Quase 400 habitações foram atingidas (primeiras habitações, segundas habitações e casas devolutas).
O aterro sanitário do Planalto Beirão com uma área de 12 hectares sofreu graves danos num prejuízo de quase 4,5 milhões de euros.
Na indústria, comércio e serviços, com a destruição de empresas como a Valouro, a Tratris, António Pereira e Sousa, Metalaf, dezenas de oficinas e stands de automóveis, armazéns, carpintarias e outros serviços, sofreram um prejuízo de mais 15 milhões de euros.
Na agricultura e nos pequenos agricultores, as infraestruturas municipais, como estradas, rails, sinais de trânsito, os prejuízos foram mais de 12 milhões de euros.
Mas sobretudo, foi o drama, o sofrimento, a angústia, o medo de cerca de 30 mil pessoas do concelho de Tondela que são imensuráveis, impossíveis de quantificar e que só o tempo pode diluir.

REACÇÃO NACIONAL
Logo no dia 16 de outubro, o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa visitou o concelho de Tondela, inteirando-se da extensão da tragédia. O primeiro-ministro António Costa visitou o concelho a 17 de dezembro de 2017, inteirando-se da reconstrução das primeiras habitações que já estavam em curso no concelho.
A onda de solidariedade e a pronta resposta dos tondelenses, iniciou-se logo no dia seguinte ao incêndio. Nasceu o movimento cívico “Ajudar Tondela”. Ricardo Araújo Pereira, Samuel Úria entre outros artistas solidarizaram-se com Tondela. A Fundação Taiwan e muitas empresas e anónimos juntaram-se para ajudar nas primeiras horas as vítimas desta tragédia.
Lembramos o CDTondela que protagoniza um jogo emotivo contra o Belenenses. De um jogo triste, de luto, de protesto, emergiu o profissionalismo da turma auriverdes que venceu com classe, com brio, com revolta o Belenenses por 2 – 0, personificando a vitória das gentes do Ao Tom d’ella.
O Tondela tinha pedido para adiar o jogo devido à má qualidade do ar que nesses dias era irrespirável, e que os impedia de treinar, mas a SAD do Belenenses não aceitou.
Também os jogadores e o clube se aliaram à onda de solidariedade.

PELO CONCELHO
No dia 20 de Outubro, os órgãos autárquicos tomaram posse e logo ali o presidente da Câmara eleito, José António de Jesus, fixou o que seria o trabalho do Município e dele próprio nos próximos quatro anos.
Primeiro, trabalhar na recuperação do que o fogo destruiu. Na recuperação das habitações próprias e permanentes. “Ninguém neste concelho deixará de ter a sua habitação própria e permanente sem ser recuperada”, disse na altura, acrescentando ainda: “este é o futuro que nos bateu à porta. Custe o que custar, com ou sem apoio do governo central estabeleceremos uma estratégia e apontaremos um rumo”.
Segundo, na aplicação de políticas e opções estratégicas para o futuro de Tondela.
Já em setembro de 2017 tinha sido inaugurada a empresa na zona industrial do Lagedo, a Eberspaecher, que atualmente emprega cerca de 650 trabalhadores, prevendo-se na altura que em 2020 teria o concelho mais de 1700 postos de trabalho no sector automóvel. Atualmente são cerca de 2000 trabalhadores neste setor.
A requalificação da zona ribeirinha, o aumento das zonas industriais no concelho, no Lagedo e na Adiça, criação do parque tecnológico, construção de um corredor rodoviário entre a zona do Lagedo e o IP3, requalificação do parque escolar (obras na escola Secundária de Tondela, propriedade o Ministério da Educação), apoio às juntas de freguesia e ao movimento associativo, seriam as forças motrizes do trabalho da autarquia.
Passados dois anos, 122 habitações permanentes foram construídas, num apoio superior a 9 milhões de euros. Neste processo foram instruídos e avaliados quase 250 processos. Dessa avaliação alguns processos não reuniram condições para prosseguirem como primeiras habitações, e o Município de Tondela criou um instrumento financeiro – Apoio à Recuperação de Habitações Não Permanentes – recebendo pedidos de apoio para cerca de 40 habitações não permanentes.
A estreita colaboração entre o Município de Tondela e a CCDR Centro, quer no apoio à recuperação das habitações quer no domínio da actividade económica, no âmbito do programa REPOR permitiu que o concelho de Tondela soubesse reagir de forma resiliente, com esperança e com confiança no futuro.
Hoje, as marcas do incêndio de 15 de outubro ainda são visíveis na mancha negra que perdura na floresta, nalgumas casas que não foram possíveis de recuperar e nos pequenos barracões perdidos no território, mas quem viveu essa noite é testemunha da fantástica recuperação do nosso concelho.
As nuvens negras ainda perduram, porque após esta tragédia o Estado não foi capaz de implementar medidas eficazes da ordenação da floresta. Não é limpar como se faz agora as faixas de segurança que resolve, porque passado menos de dois meses o mato já lá está.
Também não é arrancando os eucaliptos, que nascem espontaneamente “que nem cogumelos”, absorvendo todo o resto que se protege a floresta.
Exige-se dos organismos oficiais medidas concretas e mais eficazes, sob pena de no futuro outra tragédia semelhante acontecer.
LC

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